Movimento grevista enfrenta retaliações como bloqueio na internet e corte no fornecimento de água; greve possui adesão da maioria dos alunos e professores
03/04/2012
José Neto
da Redação
Há cinco dias, a página no Facebook “Greve Unifesp” está bloqueada. Ao tentar abri-la na sexta-feira (30/03), a comissão de greve da Universidade Federal de São Paulo se deparou com o seguinte aviso: “Por motivos de segurança, sua conta está temporariamente bloqueada”. Diante disso, ontem (02/04), a comissão decidiu criar uma nova página. Desta vez, conseguiu manter-se no ar por apenas dez minutos, não conseguindo nem ao menos fazer uma postagem, até receberem um outro aviso de que “devido à denúncia” a página deveria ser excluída, sem maiores explicações.
Além da censura na internet, o movimento também foi alvo de outra retaliação na última semana de março. O fornecimento de água por todo o campus foi interrompido – coisa incomum, de acordo com os grevistas, visto que nos períodos de aulas, com um número muito maior de estudantes presentes, nunca houve falta de água.
Motivos
A greve teve início no dia 22 de março, após assembleia realizada no campus da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, com a presença de quase todos os alunos e docentes da universidade. A paralisação ocorre devido aos problemas na infraestrutura, transporte, moradia e representatividade da instituição, que hoje é gerida pelo município de Guarulhos.
Desde 2007, o campus de humanas está instalado no bairro dos Pimentas, com a promessa da prefeitura de São Paulo de que seria de forma provisória, e, que o quanto antes, o prédio definitivo seria construído. Porém, o campus continua no mesmo local, e agora com um número maior de cursos e de alunos.
Segundo a comissão de comunicação da greve, a universidade possui recursos federais destinados às suas atividades. As salas do CEU (Centro Educacional Unificado), segundo a comissão, que deveriam ser para uso dos moradores do bairro dos Pimentas, estão sendo utilizadas pelos alunos da Unifesp por falta de salas de aula.
“Não somos contra a colaboração da administração municipal, mas pensamos que os recursos federais devem ser melhor utilizados e de forma transparente”, comenta o estudante Jonatas Santiago, um dos membros da comissão.
Transporte e moradia
Grande parte dos estudantes vem de regiões distantes da cidade de São Paulo e enfrentam uma jornada diária de pelo menos duas horas em transporte público. O mesmo se compara com a realidade dos moradores, que antes mesmo da universidade, já vinham enfrentando o caos no trânsito desde a Marginal Tietê até à avenida Juscelino Kubitchek, no Pimentas.
Para Jonatas, a vinda do campus para o bairro só fez piorar a situação, pois são mais de 2 mil alunos que optam por morar nas proximidades da universidade, intensificando cada dia mais o aumento no valor dos alugueis e do custo de vida em geral.“Não existe moradia estudantil no campus Guarulhos e em nenhum outro campus da Unifesp originários do Plano de Expansão das universidades públicas.”
Atividades
Apesar das dificuldades, alunos e professores realizam atividades em conjunto com os alunos do CEU, como a organização de um cursinho pré-vestibular para alunos da rede pública, atividades corporais como dança e capoeira.
Hoje (03/04), o movimento realizou um ato no vão do Masp para informar a população sobre os transtornos ocorridos na universidade. As próximas atividades da greve estão sendo divulgadas no blog greveunifesp.blogspot.com.br
Fonte: Brasil de Fato – http://www.brasildefato.com.br/content/sob-censura-greve-na-universidade-federal-de-s%C3%A3o-paulo-completa-13-dias
Abaixo, leia a entrevista na íntegra.
Íntegra da entrevista ao jornal Brasil de Fato:
1) Como estão atualmente as condições de moradia no Campus-Guarulhos da Unifesp?
Não existe moradia estudantil no campus Guarulhos e em nenhum outro
campus da Unifesp originários do Plano de Expansão das universidades
públicas. Só em Guarulhos são por volta de 3000 alunos e grande parte
destes estudantes vem de regiões distantes da cidade de São Paulo,
assim como de outras cidades do Estado e de todo o Brasil e exterior.
Grande parte dos estudantes que vem de regiões da cidade de São Paulo
e enfrentam uma jornada diária de pelo menos duas horas em transporte
público, que se resume a ônibus. Esta também é a realidade dos
moradores do bairro dos Pimentas; grande parte destes alunos enfrentam
o trânsito caótico, primeiro na marginal Tietê, depois na Rodovia
Presidente Dutra e por fim na Avenida Juscelino K. de Oliveira, no
Pimentas. Esta Avenida em particular já sofre historicamente com
problemas de trânsito, primeiro no trevo de Bonsucesso e nos últimos
anos em toda sua extensão. A vinda do campus para o bairro dos
Pimentas só fez piorar a situação já muito ruim. Tudo isso faz com que
os estudantes procurem se acomodar em casas de aluguel no bairro dos
Pimentas, o que tem causado grande especulação imobiliária, fazendo o
preço dos aluguéis subirem consideravelmente. É importante fazer notar
ainda a ocupação das salas do CEU Pimentas que deveriam estar sendo
utilizadas pelas crianças do bairro, e não por estudantes
universitários oriundos de outros lugares, para citar só três
exemplos. Nós alunos pensamos que estes aspectos negativos precisam
ser contrabalanceados e temos trabalhado neste sentido, com projetos
de extensão que atendam a comunidade do Pimentas, mas sem salas de
aula até mesmo para as aulas dos nossos cursos, como poderemos dar
continuidade a projetos como o cursinho pré vestibular gratuito para a
população carente da região, o projeto do centro de línguas para
atender tanto a alunos da Unifesp quanto a comunidade que não tem
condições de pagar por este tipo de ensino, atividades diversas
organizadas por alunos e professores da Unifesp que atualmente são
realizadas no CEU, espaço que já não comporta tanta gente por conta da
apropriação do CEU pela Unifesp; cito aqui as atividades do projeto
NUCCA (Núcleo de Cultura, Corpo e Arte da Unifesp), como yoga Método
DeRose, dança contemporânea, capoeira, balé, dança-terapia, danças
populares, jam sessions etc. A presença da Unifesp afeta diretamente a
população do entorno e esta também é uma das razões pelas quais
reivindicamos moradia estudantil, para estudantes universitários cujas
famílias não tem condições de arcar com as muitas despesas decorrentes
dos estudos superiores. É verdade que a universidade oferece bolsas de
R$ 300,00 para os estudantes que não podem arcar com aluguel, mas
acreditamos que a moradia estudantil resolveria de forma definitiva
muitas questões, em especial a criação de uma moradia estudantil
aberta à população do bairro, em que estudantes e universitários
possam interagir construindo com a comunidade o conhecimento de forma
recíproca. Decerto tal realização contribuiria profundamente para o
desenvolvimento de uma comunidade há mais de três décadas abandonada a
sua própria sorte, por políticas públicas mesquinhas e desumanas. É
verdade que a criação do campus Guarulhos foi muito importante para a
região dos Pimentas, assim como o hospital, os CEUs, o terminal e
outras ações positivas, agora é necessário fazer com que tais ações
beneficiem de fato a população do bairro dos Pimentas e é por isso
também que nós estudantes do campus Guarulhos, acolhidos por esta
mesma população com a qual convivemos diariamente reforço aqui os
pontos acima: lutamos por mais salas de aulas para nós, moradia
estudantil pensada em conjunto com a comunidade, abertura dos portões
da universidade para a população dos Pimentas, acesso da população à
biblioteca, ao restaurante universitário, à sala de informática, às
atividades acadêmicas em geral. Esta é nossa luta!
2) Sobre a “Autonomia da Unifesp” o que de fato muda em relação à administração municipal?
A Unifesp é uma instituição federal, possui recursos federais
destinados às suas atividades. Os recursos municipais devem ser
canalizados para atender a população do município. As salas do CEU
Pimentas, por exemplo, devem ser para uso dos moradores do bairro dos
Pimentas e não para estudantes da Unifesp. Existem cartazes
distribuídos pelo campus que dizem: Unifesp: Unidade 1 – prédio
principal; Unidade 2 – CEU Pimentas; Unidade 3 – prédio anexo
(puxadinho); entretanto, as salas ocupadas pela Unifesp no CEU são
espaços cedidos pela prefeitura, como o foi o terreno ocupado para a
instalação da faculdade. A Unifesp conta com este e outros recursos
vindos do muncípio para manter seu funcionamento no bairro. Não somos
contra a colaboração da administração municipal, mas pensamos que os
recursos federais devem ser melhor utilizados e de forma transparente.
O atual estado das coisas não é bem visto por nós estudantes e nem
pela comunidade, já que quem deveria disponibilizar os recursos para
bom funcionamento da Unifesp deveria ser a própria instituição a
partir de recursos provindos da União, e não da administração
municipal, que sabemos arcará também com parte do custo de
aproximadamente R$ 100,000,00 de aluguel de um terreno em frente ao
campus, onde há uma galpão de lixo industrial que deverá ser
“adaptado” e utilizado pela Unifesp em suas atividades.
3) Quais são os empecilhos que a instituição alega em relação à construção do prédio definitivo?
A condição de nosso campus é a seguinte: temos a promessa de que, em
um distante porvir, será feita uma obra faraônica, com a arquitetura
de um shopping center, completamente inadequada para as relações
exigidas pela nossa Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas e
que não estabelece nenhuma forma de “diálogo” com o próprio bairro. Um
verdadeiro corpo estranho dentro do bairro e da cidade.
Concebido sem consulta à comunidade acadêmica e à população, nos
parece ser uma obra que releva toda a ideia de que uma Escola de
Ciências Humanas traria consigo, seguindo ao contrário, o padrão das
edificações voltadas aos empreendimentos comerciais.
A UNIFESP já cancelou dois processos licitatórios, sendo que a
alegação para o cancelamento do último foi a inviabilidade de se
construir um estacionamento subterrâneo. Suspeita-se que a construção
do futuro prédio nos moldes em que ele foi concebido, seria inclusive
uma forma de aumentar a especulação imobiliária na região.
4) Além da infraestrutura, transporte, moradia digna e representatividade da instituição que tipos de problemas mais os alunos enfrentam na Universidade?
48 alunos da Unifesp estão sendo processados pela Polícia Federal /
Ministério Público e sindicâncias foram abertas pela Unifesp com
vistas à expulsão dos estudantes envolvidos nas greves anteriores,
acusados de formação de quadrilha e depredação do patrimônio público
por terem participado de uma ocupação na Reitoria em 2008. É
importante frisar que os alunos foram duramente agredidos pela tropa
de choque da PM e a ocupação ocorreu em uma época em que a UNIFESP
estava indo às manchetes da imprensa pelas suspeitas de corrupção da
reitoria. Enquanto os estudantes estavam exigindo o que lhes é de
direito, a reitoria desviou cerca de R$ 18.000.000,00 para o novo
prédio da Reitoria.
A precariedade da infra-estrutura do campus da EFLCH-Guarulhos afeta
muitíssimo nosso rendimento nos estudos. A biblioteca não possui
espaço físico para comportar todos os livros e publicações, nem para o
trânsito e permanência dos estudantes em seu ambiente. O Restaurante
Universitário padece do mesmo problema, sendo que este é uma
edificação provisória construída nos fundos do terreno, obrigando por
vezes, que as pessoas façam suas refeições fora do restaurante, ao ar
livre. Os banheiros são quase impossíveis de se frequentar, pois o
espaço deles é mínimo. O elevador não funciona, não permitindo que
alunos em necessidades especiais frequentem aulas nas salas do andar
superior.
- Qual a avaliação que vocês fazem do reitor?
Nossa avaliação é de que a burocracia estabelecida das instituições nas universidades federais é ela toda de um tremendo atraso, um grande desserviço ao ensino público superior brasileiro, pois não permite que a sociedade como um todo, não somente a comunidade acadêmica, participe e contribua. Ou seja, centraliza-se o poder e as tomadas de decisão como se a universidade não fizesse parte de um todo, do país. Nesta greve, insistimos para que se entre em pauta, tanto por parte do movimento estudantil bem como da sociedade a forma como os reitores são escolhidos para as universidades públicas, uma prática que remete ao coronelismo.
Portanto, ressaltamos que tanto a atual administração da reitoria
quanto qualquer outra que venha depois, instituída no atual formato,
será combatida pelo movimento estudantil.
6) A USP vem enfrentando problemas com a presença da PM no campus. Na Unifesp, vocês enfrentam esse problema também?
A PM esteve no campus na quarta-feira, dia 29/03, no dia do Ato no
Terminal Pimentas. Mandaram uma viatura de ronda escolar que entrou no
campus. Na greve de 2007 a Tropa de choque entrou no campus para
retirar estudantes que ocupavam a Diretoria Acadêmica. No Ato do dia
29/03 havia ao menos 5 viaturas no terminal Pimentas, armadas com
escopetas de bala de borracha e outras armas.
7) Na greve, há uma unificação entre os cursos? E os docentes, apoiam?
Sim. Em todos os cursos existem estudantes participando do processo de
greve, das atividades propostas, sejam grupos de discussão e estudos,
sejam nos eventos paralelos como as oficinas e atos. O nosso ato pelo
bairro, contou com cerca de 200 alunos da UNIFESP, mais alunos das
escolas públicas da região que entendem a importância do não
sucateamento da educação e abertura da universidade para a comunidade.
Grande parte dos docentes apoiam a greve, só não o fazem abertamente
por receio de represálias por parte da Reitoria e da Diretoria
Acadêmica.
Os professores, junto com os alunos, são os que mais sofrem devido á
falta de infraestrutura no campos. Como poderiam estar satisfeitos com
uma universidade que mal disponibiliza salas de aulas para que
trabalhem? Isso sem falar em investimentos para pesquisa, iniciação
científica etc.
8) Pra finalizar, faça uma síntese de como está a greve (número de alunos que aderiram, reivindicações pertinentes, próximos passos, etc)
Na última assembleia (imagens em greveunifesp.blogspot.com), realizada
por mais de 1300 estudantes, foi decidido por continuidade da greve
por mais de 90% da plenária. Os estudantes reunidos e organizados em
seu comando de greve, realizam diversas atividades pelo campus e pelo
bairro do Pimentas. Informações atualizadas no blog da greve acima. O
movimento realiza assembleias semanais para decidir os rumos do
movimento.
Praticamente todos os alunos aderiram à greve.
Alunos da pós-graduação e alunos em fase de estágio continuam com suas
atividades devido à contratos de estágio e bolsas de pesquisa que não
podem ser interrompidos, já que tal interrupção seria prejudicial a
estes alunos somente.
Censura no Facebook
Sentimos necessidade de nos articularmos via Internet, não somente pela decorrente greve mas para trabalhar pela expansão do nosso Movimento Estudantil. A respeito disso criamos uma página no Facebook para divulgação de informações, que ficou no ar do dia 24/03 (sábado após a greve, decidida na quinta-feira 22/03) ao dia 30/03 (sexta-feira no período da noite) quando a Comissão de Comunicação recebeu e-mails de algumas pessoas, informando que não era impossível acessar a página. Ao tentar abrir a página no Facebook a Comissão se deparou com o aviso de que “Por motivos de segurança sua conta está temporariamente bloqueada”.
Passado isso, a comissão se reunião e decidiu criar uma nova página, nessa segunda-feira (02/04), essa conseguiu manter-se no ar por aproximadamente dez minutos, não conseguindo nem ao menos fazer postagem de alguma informação, recebemos dessa vez um aviso de que “Devido a denúncia a página deve ser excluída” sem maiores explicações ou motivos.
Além desses eventos na quinta-feira (29/03), a rede de internet no campus ficou inacessível, dificultando o trabalho da Comissão de Comunicação. Na sexta-feira (30/03), o fornecimento de água por todo o campus foi interrompido – coisa incomum, visto que nos períodos de aulas, com um número muito maior de estudantes presentes, nunca houve falta de água. Já hoje, segunda-feira (02/04)l, dia em que as cotas de impressão são renovadas, a impressora encontra-se INATIVA, devido à FALTA DE PAPEL para impressão.
Aproximadamente 90% dos alunos do campus aderiram a greve na ultima reunião do Comando de greve, onde foi votado a continuação ou não da manifestação.
